Fatos mais relevantes que alavancaram o desenvolvimento da arte marcial
Embora a concepção do Karatê, tal como conhecemos hoje, tenha suas raízes nos anos 1930 no Japão continental, sua origem precisa permanece incerta, remontando ao To-De, arte marcial desenvolvida no final do século XIV na região de Okinawa, um arquipélago localizado ao sul do Japão.
Historicamente, Okinawa fez parte do antigo Reino de Ryukyu, estabelecido em 1429 durante o reinado de Sho Hashi.
O reino de Ryukyu prosperou como entreposto comercial, devido sua posição estratégica, facilitando as relações entre China, Japão e outras regiões do Sudeste Asiático.
Esse intenso fluxo cultural não só influenciou aspectos cotidianos como a arquitetura, culinária e a dança, mas também desempenhou um papel crucial no desenvolvimento de tradições, incluindo as artes marciais.
No entanto, em 1609, após anos de disputa, a região sofre uma invasão japonesa liderada por Satsuma. Essa ocupação resultou em inúmeras proibições e leis restritivas ao reino de Ryukyu.
Apesar das relações comerciais e tributárias serem mantidas com o Japão, os cidadãos de Ryukyu foram impedidos de utilizar o idioma e certos costumes japoneses.
O ponto crítico para a disseminação do To-De ocorreu em 1879, durante o apogeu da expansão colonial europeia, quando o reino de Ryukyu foi dissolvido e seu território incorporado definitivamente ao Japão.
Essa anexação trouxe consigo uma administração centralizada e mais restrições à população. Uma das leis proibia não apenas o porte, armazenamento, mas também a posse de qualquer tipo de arma, sob pena de morte para os infratores.
Estas imposições deixaram a população à mercê das autoridades japonesas, despertando um instinto de sobrevivência entre os okinawanos. Em certa medida, pode-se afirmar que esse contexto foi o catalisador para a expansão do To-De.
Vamos conhecer o sistema de defesa que foi a base técnica do Karatê
O To-De okinawano, também conhecido como “Okinawa-Te” ou “Toudi”, foi profundamente influenciado pelo Chuan-fa, especificamente pelo estilo Nan-Pei-Chun, com origem na Província de Fukien, na China.
Sua marca registrada era o uso do próprio corpo como meio de defesa pessoal. Era o sistema ideal, uma vez que o uso de armas estava estritamente proibido na região. O To-De se baseada em técnicas objetivas e precisas, buscando neutralizar ou subverter ataques com o menor número possível de movimentos.
Devido à falta de meios para uma disseminação sistematizada, cada região no antigo reino de Ryukyu desenvolveu sua própria forma de prática do To-De, com características e movimentações distintas em cada local.
Três regiões, em particular, desempenharam papéis significativos no desenvolvimento do To-De: o antigo castelo de Shuri, o porto de Tomari e a antiga capital Naha. Sob a orientação dos grandes mestres dessas localidades, surgiram novos estilos denominados Shuri-Te, Tomari-Te e Naha-Te.
O Shuri-Te, liderado pelo grande mestre Soken Matsumura, era caracterizado por movimentos rápidos, bases altas e movimentação linear.
Por outro lado, o Tomari-Te, desenvolvido principalmente pelo mestre Kosaku Matsumura, incorporava movimentos circulares e golpes utilizando a mão aberta.
Enquanto isso, o Naha-Te, cujo grande mestre foi Kanryo Higaonna, também se valia de movimentos circulares, mas era fortemente caracterizado por suas técnicas de respiração e bases baixas.
Em 1868, a Restauração Meiji provocou a queda do Shogunato no Japão. Como principais resultados tivemos a abolição do sistema feudal de governo e mudanças significativas nos aspectos tradicionais do sistema de classes japonês. Uma das transformações notáveis foi a permissão final para a prática das artes marciais, marcando uma nova era.
Nesse mesmo ano, em 10 de novembro, na província de Shuri, nasceu Gishin Funakoshi, a quem é atribuído o título de “Pai do Karatê Moderno”.
Mestre Funakoshi deu início aos seus estudos nas artes marciais aos 11 anos, sob a orientação do Mestre Yasutsune Asato. Asato, um importante mestre do estilo Naha-Te, compartilhou os princípios de força e letalidade, transmitindo a Funakoshi técnicas essenciais, como o Tai Sabaki.
No entanto, foi com outro notável mestre de Okinawa, Yasutsune Itosu, que Funakoshi foi profundamente influenciado no desenvolvimento do estilo que viria a ser conhecido como o Karatê Shotokan.
Conhecido também como Anko Itosu, ele desempenhou um papel fundamental na sistematização e codificação de diversas técnicas de karatê em um sistema denominado “Kihon”. Além disso, Itosu foi responsável por simplificar os Kata praticados, tornando-os mais compreensíveis para crianças.
A abordagem educacional de Itosu teve um impacto duradouro na disseminação da arte marcial não apenas no Japão, mas também no cenário global. O legado de Gishin Funakoshi e seus mestres contribuiu significativamente para a evolução e popularização do Karatê Moderno.
Gichin Funakoshi é justamente aclamado como o “Pai do Karatê Moderno” devido às suas contribuições decisivas para a transformação do antigo sistema de autodefesa de Okinawa na arte marcial que conhecemos hoje.
Sua influência mais notável foi a inclusão dos valores Taoístas, alterando profundamente a essência do To-De, que originalmente consistia puramente em um sistema de combate com foco no aprimoramento técnico. Funakoshi introduziu valores morais, tais como: respeito, humildade, cortesia, integridade e autocontrole, elevando esses aspectos a uma posição de igual importância em relação às habilidades técnicas.
Nesse contexto, ele trouxe uma filosofia abrangente para o To-De, defendendo que a prática não deveria beneficiar apenas o corpo, mas também a mente e o espírito.
O To-De, na visão de Funakoshi, deveria se tornar uma disciplina educativa que moldaria o caráter e promoveria o autodesenvolvimento.
Outra mudança cultural significativa, promovida por Funakoshi, envolveu a nomenclatura da arte marcial.
Além das barreiras linguísticas decorrentes da diferença entre o idioma de Okinawa e o do Japão continental, ele enfrentou a complexidade das relações sino-japonesas na época.
O termo “To-de”, que possui os componentes “To” (唐) referente à China, e “de” (手), significando “mão”, poderia evocar sentimentos de rivalidade histórica e tensões geopolíticas entre o Japão e a China.
Para superar esse obstáculo, Funakoshi optou por substituir “To-de” por “Karatê”. O termo “Karatê” (空手) é uma transcrição fonética do ideograma chinês que representa “mão vazia” (空手). Essa mudança cuidadosamente escolhida contribuiu significativamente para a aceitação pública do Karatê no Japão.
O termo “Karatê” (空手), conhecido por todos nós para designar as diversas escolas desta arte marcial provenientes de Okinawa, foi oficialmente reconhecido em 25 de outubro de 1936, após uma reunião dos principais mestres de Okinawa.
Foi graças a este evento que celebramos o Dia Mundial do Karatê nesta data.
Jigoro Kano foi um grande mestre de artes marciais nascido em Hyogo, no Japão. Ele é mundialmente conhecido como o fundador do Judô. Funakoshi e Kano se conheceram durante as exibições do Karatê em Tóquio. Na ocasião Jigoro Kano já era considerado um grande mestre e um líder respeitado no Japão.
O nascimento da relação de amizade e colaboração não demorou a vir, já que Jigoro Kano e Gishin Funakoshi compartilhavam uma visão semelhante quanto à filosofia associada às artes marciais.
Kano entendia que a disseminação das artes marciais e o compartilhamento de conhecimento eram benéficos para o desenvolvimento global dessas práticas. Nesse sentido, o Judô e o Karatê andaram lado a lado. Ambos estiveram juntos em eventos, mostrando respeito mútuo entre os praticantes. Jigoro Kano também teve papel importante na introdução do Karatê em universidades japonesas. Porém, sua contribuição para o Karatê não parou por aí.
Graças ao seu caráter pedagógico, Jigoro Kano criou um sistema de graduações distribuídos em Dan, para caracterizar os instrutores e mestres, e Kyu para diferenciar os estudantes.
O local de treinamento (Dojo) também foi adaptado por Funakoshi. Os estudantes e instrutores usavam um uniforme de treino padronizado (Keikogi). No chão foi incorporado um piso macio (Tatame) utilizado principalmente nos treinos de kumite. As saudações (Rei) também foram adotadas como meio de cortesia entre os praticantes.
O intercâmbio também aconteceu na esfera técnica. Funakoshi absorveu detalhes oriundos do Judô no desenvolvimento das técnicas que passaram a compor o Karatê. Técnicas de Projeções (Nage Waza) podem ser encontrados em alguns kata, citando alguns como exemplo: Empi, Jion e na série Tekki. As técnicas de bloqueio (Uke) do Karatê também sofreram influência dos conceitos utilizados pelo Judô para redirecionamento da força do oponente. Além disso, o kumite também absorveu técnicas de desequilíbrio (Kuzushi) em seu arsenal técnico.
Nos primeiros anos do século XX, Gichin Funakoshi e Anko Itosu empenharam-se na inclusão do Karatê no currículo de educação física das escolas de Okinawa. A redescoberta da herança étnica em Okinawa tornou-se crucial para a região, transformando as aulas de artes marciais em algo positivo.
O primeiro passo para além de Okinawa ocorreu em 1916, quando Gichin Funakoshi foi convidado para uma exibição pública no Centro de Artes Marciais em Kyoto, no Japão continental.
Já no ano de 1921, o então Príncipe Herdeiro Hirohito, durante uma escala em Okinawa, testemunhou uma demonstração de Karatê liderada por Funakoshi, ficando impressionado com as façanhas exibidas pelos praticantes. Esse evento levou a um convite para uma demonstração em Tóquio, durante uma Exibição Atlética Nacional, em 1922.
Como resultado dos esforços em difundir o Karatê para o Japão continental, em 1926, Funakoshi foi convidado à ensinar Karatê na Universidade de Keio. Esse convite desempenhou um papel vital na quebra de barreiras culturais entre Okinawa e o Japão continental, introduzindo uma tradição até então pouco conhecida no Japão.
Funakoshi trouxe uma contribuição não apenas para o aprimoramento do condicionamento físico, mas também para o desenvolvimento dos aspectos filosóficos e morais da prática. Seu ensino na universidade elevou o status do Karatê em eventos acadêmicos e esportivos, consolidando-o como uma disciplina respeitável.
Durante a ocupação americana no Japão após a Segunda Guerra Mundial, de 1945 a 1950, as autoridades americanas inicialmente proibiram a prática de artes marciais, incluindo o Karatê. Contudo, com o tempo, reconheceram o valor das artes marciais como atividade física e disciplina. O Karatê foi introduzido em bases militares americanas no Japão, permitindo sua prática pelos soldados e pessoal militar, além de despertar o interesse da mídia americana e cineastas, contribuindo para sua disseminação global.
Seja um federado e vamos juntos manter viva a tradição do Karatê-Do. Junte-se a nós na jornada de aperfeiçoamento pessoal e esportivo.
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